Dona morte, certa vez fora
invocada para uma conversa entre o bem e o mal. Tal reunião tinha o intuito de
esclarecer o seguinte fato: quem realmente morria?
Com todas sua desconfiança, saiu
vestida com seu véu para tal encontro, caminhou lentamente com sua foice até
chegar ao local indicado. Lá encontravam-se duas formas de sombras: uma de luz
e uma de escuridão.
- Ora dona morte, como sempre
muito pontual... – Balbuciou a forma negra, com certo ar de sarcasmo.
Ignorando tal sentença, dona
morte sentou-se no centro que dividia as sombras.
- O que há de tão importante que
é necessário minha presença? - Indagou dona Morte.
- Queremos uma resposta. Há
séculos existe uma batalha entre o bem e o mal, quem na realidade mata e quem
realmente morre. – Disse calmamente a sombra branca.
- Mas o que querem dizer com
isso, oras? Todos morrem, um dia todos tem de me encontrar! – Proferiu dona
Morte em meio a tragos inacabáveis de seu cigarro.
- Não dona Morte, não é isso. Não
pode ser! Alguém tem que ser culpado de tudo isso. O lado negro exige uma
explicação. Ou tem o bem que mata ou tem o mal que o faz. Ou morre, ou mata.
Em meio a tantos questionamentos
a impossível Dona morta, parou um pouco, como se buscasse dentro de si uma
explicação palpável para ela própria. Era como se o tempo tivesse parado e pela
primeira vez em toda sua existência ela se encontrasse em crise.
Ela era o meio termo. Era a morte
e era a causa. Era a lágrima e era o riso. Era o bem, ao mesmo tempo que era o
mal.
Dona morte estava em êxtase.
Estava muda. Estava... difícil de se aceitar... Morta.
- Então dona separadora e
determinadora dos tempos, o que tem a nos dizer? – Implorou a sombra de luz.
Não sabia bem o que dizer e as
palavras que se seguiram foram como uma bomba. Tanto para ela, quanto para as
sombras.
- A culpa é individual. –
sussurrou dona Morte. – Eu sou apenas uma ponte de ligação entre o mundo real e
o mundo dos mortos. Eu estou morta e viva ao mesmo tempo. Morta pois preciso
fazer a ligação entre os mundos, todos os dias e todos os momentos, aliviando e
trazendo a dor, já viva, pois caso só morta estivesse essa passagem não seria
possível. E a morte não sou eu, a morte é individual.
Após aquelas palavras dona Morte
se sentiu vazia e viu que sempre fora. Não tinha alma, nem coração. Não tinha a
certeza e nem a dúvida. Ela existia naquele
momento e ao mesmo tempo já não a via mais. Percebeu que ela era o segredo
de sua própria existência.
- Como assim? Quer dizer que a
morte é de quem tem o câncer já espalhado, que foi atropelado, a culpa é
daquele que nem de seu próprio destino sabe? – Gritou a escuridão.
- Exatamente. Cada um galga sua
própria vida. Assim como sou estado permanente, vocês também são. Porém
mutáveis. Bem e mal são constantes de cada um, isso não o diz a morte, o estar
morto. Cada um faz suas escolhas e não sou eu, muito menos vocês que vão
decidir quem vai. A morte, a real morte, é
inconstante, ela é um segredo que todos querem revelar, mas que nunca vão.
Naquele momento todos estavam
juntos mentalmente, como um uníssono som. Perceberam naquele instante que era
exatamente isso: o segredo da vida estava na morte. Todos lutavam e batalhavam
para desviar deste encontro, mas o ser supremo, não dona Morte, era traiçoeiro,
como um campo minado.
A morte não designa bem nem o
mal. Dona Morte não escolhe a quem vai encontrar e é perceptível que os que são
escolhidos tiveram a audácia de em sua vida escolher uma fruta sortida com o
cupom do fim.
É certo que todos vão, dona Morte
foi, o bem vai todos os dias e o mal também. E todos renascem e essa é a única
certeza. Sozinhos caminham estes três, em busca do grande porém: o fim. Mas
nunca o descobrem, e quando o fazem.... Infelizmente não podem voltar para
contar.
Neste exato momento estavam
sentado lado a lado, dona Morte, a Luz e a Escuridão e nesse conjunto
perceberam que são interligados, um meio, um início e um fim que se fundem na
vida diariamente. E que nessa mesma vida, tão individual e vazia, não sabiam
até quando continuariam.
Com toda a dor da incerteza dona
Morte levantou-se, após ver que não era nada ao mesmo tempo que era tudo.
Levantou-se para buscar mais um afortunado desse cheque mate.
Em resumo, dona Morte percebeu
que não é válido tentar decifrar sua mãe. A grande Morte é silenciosa e
sorrateira. Vale lembrar, mais uma vez, que não se sabe quando nem onde ela
está, com isso o que vale é saber ter a luz e a escuridão. Saber o dom tão
rápido (como um piscar de olhos) que é viver.
O legado que cada um tem é
lembrado, não sua morte. Pois no momento em que se morre, a única coisa que é
relembrada como um memorial é Dona morte e não o infortunado que ela bateu a
porta para levar.
Igor Passos